O homem, debruçado sobre eternos questionamentos, procura conhecer: conhecer
suas origens; o motivo de suas inquietações e alegrias; a sua realidade e a
realidade do outro; sua crença e descrença e tudo mais que se apresenta por
meio dos sentidos e das percepções. Sendo assim, conhecer constitui-se em um
eterno processo de reflexão sobre si e sobre o mundo que se conhece ou que se
pretende conhecer. O homem como sujeito social, descobre que o seu próprio
cotidiano é uma eterna fonte de conhecimento, mais não só esta. A ciência
apresenta-se como uma dentre várias possibilidades de conhecer e o caminho
utilizado passa, invariavelmente, por métodos complexos, os quais podem
contribuir, bem como limitar o nosso entendimento acerca de alguns fenômenos. Vale
ressaltar que o que caracteriza o método científico de conhecer, grosso modo, é
o fato de se poder mensurar as evidencias observadas e analisá-las à luz da
lógica. Diferente do que acontece com a técnica, onde o valor máximo está
concentrado na instrumentalidade; no saber fazer, e na filosofia onde predomina
a busca incessante pelo conhecimento.
O método científico cartesiano, por exemplo, se mostra limitado na
abordagem de questões sociais, sobretudo se consideramos o fato deste se ater a
aspectos meramente quantitativos. A dinâmica política, religiosa, filosófica, econômica,
antropológica, cultural etc. (aspecto qualitativo) que permeia toda a
existência humana, tende a não ser considerada na busca da compreensão do mundo
em que vivemos. Dessa maneira, não seria possível captar o que Barata-Moura
(1997) chamou de essência dos
fenômenos (aquilo que fundamentalmente caracteriza um processo determinado como
sua entidade ou ‘razão’). A abordagem carteziana se limitaria a uma visão
meramente fenomenológica (de fenômeno), ou seja, “aquilo que se nos manifesta
na representação ou na experiência imediata” (BARATA-MOURA, 1997, p. 74).
Próximo desta abordagem encontra-se o conceito científico de empirismo a se
aproximar em grande medida do cartezianismo.
O empirismo constitui, em
termos de método científico, um mecanismo de apreensão da realidade baseado na
observação do mundo. Sentimentos próprios do ser humano como a intuição e/ou a
fé são relegados a um plano marginal, tendo em vista que em nada contribuiriam
para a compreensão dos fenômenos. As ditas ciências exatas, como se sabe, se
utilizam, em grande medida, deste conceito, pois para este ramo da ciência
geralmente há uma maior valorização do que pode ser comprovado em termos
quantitativos, mais isso não é uma regra. Opõe-se historicamente ao chamado racionalismo, cujo sentido se baseia na
afirmação de que os homens nascem com certas idéias inatas, as quais aflorariam
à consciência do homem ao longo de sua existência.
O raciocínio dialético, por outro lado, fundado no pressuposto de que a
contradição está na realidade (Gustin e
Dias, 2006), vem, por seu turno, contrapor-se ao que foi proposto por
estas linhas de pensamento. Marx postulava a permanente mudança no universo,
onde tudo se relaciona e se transforma numa interpenetração constante. Como bem
observa Barata-Moura (1997, p. 86)
“[...] para Marx, a ciência não é susceptível de se
nos oferecer na imediatez de uma intuição, na fenomenalidade de uma
experiência. A ciência não pode propor-se, pois, como meta ou resultado último,
o mero apuramento de dados, a simples inventariação e/ou descrição de fatos,
mesmo se e quando empiricamente verificáveis e rigorosamente transcritos”.
Por nosso lado vale o apontamento de algumas situações concretas, de modo
a ilustrar o que está sendo proposto. Vejamos o caso da mídia. Ao analisar as
implicações da produção midiática no cotidiano popular, Bosi (1992) assim se
refere:
[...] a dialética é uma verdade mais séria do que
supõe a nossa vã filosofia. A exploração, o uso
abusivo que a cultura de massa faz das manifestações populares, não foi ainda
capaz de interromper para todo o sempre o dinamismo lento, mas seguro e
poderoso da vida arcaico-popular, que se reproduz quase organicamente em
microescalas, no interior da rede familiar e comunitária, apoiada pela
socialização do parentesco, do vicinato e dos grupos religiosos.
O povo assimila, a
seu modo, algumas imagens da televisão, alguns cantos e palavras do rádio,
traduzindo os significantes no seu sistema de significados. Há um filtro, com
rejeições maciças da matéria impertinente, e adaptações sensíveis da matéria
assimilável. De resto, a propaganda não consegue vender a quem não tem
dinheiro. Ela acaba fazendo o que menos quer: dando imagens, espalhando palavras, desenvolvendo ritmos, que são
incorporados ou re-incorporados pela generosa gratuidade do imaginário popular.
Tendo por base esta afirmação, poderemos a partir daí tecer algumas
ponderações de modo a reforçar a necessidade da aplicação do método dialético
para melhor compreendermos os fenômenos sociais, bem como para reforçar o
caráter de insuficiência do método cartesiano para se formular um entendimento
destes mesmos fenômenos.
Tomemos como exemplo o carnaval brasileiro. Embora esta festa seja
incontestavelmente nacional, movendo multidões pelos quatro cantos do país a
cada fevereiro, a sua forma de manifestação mais difundida, ou seja, as escolas
de samba, têm sua origem na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, pesquisa
despretensiosa dará conta de que esta modalidade de manifestação carnavalesca
está presente na maioria absoluta dos municípios brasileiros. Considerando que
o nosso país se caracteriza por uma diversidade cultural, seria mais que normal
se encontrássemos nas mais diversas regiões da nação, as mais variadas
manifestações. Isso ainda acontece, é verdade. O axé baiano e o bumba-meu-boi
maranhense estão aí para provar. No entanto, segue-se paralelamente a isso a
organização de escolas de samba que costumam, muitas vezes, dividir o mesmo
espaço da brincadeira carnavalesca com as outras manifestações típicas de cada
lugar. O que há de errado nisso? Certamente perguntará o leitor! Então
respondemos: nada! Absolutamente nada! A não ser pelo fato de que a grande
mídia se utiliza deste fato para reforçar, em seu discurso demagógico, a idéia
de que ela é a grande responsável por essa reconfiguração cultural. Se existem
mais rítimos, se existem mais cores, mais sons, mais sabores, isto seria um
resultado direto da função desempenhada pela mídia.
“Cartezianamente” falando, os dados dão conta de um país muito mais
colorido e rítmico, se pensarmos neste exemplo do carnaval, o que justificaria
a manutenção deste estado de coisas, inclusive em termos legais, sobretudo se
considerarmos a determinação constitucional de que a mídia deve formar,
informar e entreter (artigo 221 CF/88). Dialeticamente se vai além, e
percebe-se que se houve qualquer tipo de incorporação cultural que por ventura
tenha favorecido a nossa diversidade cultural, isso se deve não aos desígnios
midiáticos, mas, antes de mais nada, a “generosa gratuidade do imaginário popular”, bem como a
articulação dos movimentos populares a se postarem contra - hegemonicamente.
Com este argumento, esperamos reforçar a necessidade de uma abordagem em termos
de pesquisa científica para além daquela meramente quantitativa.
Outros aspectos
importantes a serem considerados em um projeto de pesquisa são o objetivo e
objeto. Enquanto o objetivo constitui o norte do pesquisador, ou seja, o
fim a ser alcançado, o objeto representa o elemento central do estudo. Este
elemento deve estar claro no projeto, bem como na mente do pesquisador de modo
a não se perder de vista o que se busca. Para que o objetivo geral, assim como
os objetivos específicos propostos sejam alcançados com êxito, o pesquisador
tem, entre outras coisas, de se apoiar em um consistente referencial teórico. Consiste este elemento do trabalho de pesquisa
em um complexo corpo de conhecimento no qual o pesquisador irá se apoiar para
formular suas próprias proposições. Acerca deste aspecto do projeto de pesquisa
vale lembrar a celebre frase de Newton na qual ele afirmava que se havia
enxergado mais longe, foi por ter se apoiado em ombros de gigantes. Sendo
assim, a de se perceber que o referencial
teórico representa ponto preponderante em uma investigação cientifica, pois
é a partir dele que irá se constituir um novo corpus de conhecimento. Gustin e Dias (2006, p. 36) destacam que “o
referencial teórico constitui-se como elemento de controle não só do problema
como de toda a pesquisa”.
*Trabalho apresentado
ao Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana - modalidade
mestrado - da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial
para aprovação na disciplina Fórum Interdisciplinar I.
REFERÊNCIAS
BARATA-MOURA, José. Materialismo
e subjetividade: estudos em torno de Marx. Lisboa: Editorial Avante, 1997.
BOSI, Alfredo. Cultura brasileira e culturas brasileiras.
In:_______Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.
GUSTIN, Miracy B. S.; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a pesquisa jurídica: teoria
e prática. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
RITTO, Antonio Carlos de Azevedo. Sistemas complexos para a percepção da realidade: de Sócrates à
Kant. Material de aula, 2010.
_____. Desenvolvimento
de projetos: método científico. Material de aula, 2010.
nossa, muito bom! isso aí, ciência é vida, não algo inacabado...morto!
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