quarta-feira, 1 de setembro de 2010

OS 10 MITOS SOBRE AS COTAS



1- as cotas ferem o princípio da igualdade, tal como definido no artigo 5º da Constituição, pelo qual “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. São, portanto, inconstitucionais.
Na visão, entre outros juristas, dos ministros do STF, Marco Aurélio de Mello, Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Barbosa Gomes, o princípio constitucional da igualdade, contido no art. 5º, refere-se a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei. A igualdade de fato é tão somente um alvo a ser atingido, devendo ser promovida, garantindo a igualdade de oportunidades como manda o art. 3º da mesma Constituição Federal. As políticas públicas de afirmação de direitos são, portanto, constitucionais e absolutamente necessárias.
2- as cotas subvertem o princípio do mérito acadêmico, único requisito que deve ser contemplado para o acesso à universidade.
Vivemos numa das sociedades mais injustas do planeta, onde o “mérito acadêmico” é apresentado como o resultado de avaliações objetivas e não contaminadas pela profunda desigualdade social existente. O vestibular está longe de ser uma prova equânime que classifica os alunos segundo sua inteligência. As oportunidades sociais ampliam e multiplicam as oportunidades educacionais.

3- as cotas constituem uma medida inócua, porque o verdadeiro problema é a péssima qualidade do ensino público no país.
É um grande erro pensar que, no campo das políticas públicas democráticas, os avanços se produzem por etapas seqüenciais: primeiro melhora a educação básica e depois se democratiza a universidade. Ambos os desafios são urgentes e precisam ser assumidos enfaticamente de forma simultânea.
4- as cotas baixam o nível acadêmico das nossas universidades.
Diversos estudos mostram que, nas universidades onde as cotas foram implementadas, não houve perda da qualidade do ensino. Universidades que adotaram cotas (como a Uneb, Unb, UFBA e UERJ) demonstraram que o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas é o mesmo, não havendo diferenças consideráveis. Por outro lado, como também evidenciam numerosas pesquisas, o estímulo e a motivação são fundamentais para o bom desempenho acadêmico.
5- a sociedade brasileira é contra as cotas.
Diversas pesquisas de opinião mostram que houve um progressivo e contundente reconhecimento da importância das cotas na sociedade brasileira. Mais da metade dos reitores e reitoras das universidades federais, segundo ANDIFES, já é favorável às cotas. Pesquisas realizadas pelo Programa Políticas da Cor, na ANPED e na ANPOCS, duas das mais importantes associações científicas do Brasil, bem como em diversas universidades públicas, mostram o apoio da comunidade acadêmica às cotas, inclusive entre os professores dos cursos denominados “mais competitivos” (medicina, direito, engenharia etc). Alguns meios de comunicação e alguns jornalistas têm fustigado as políticas afirmativas e, particularmente, as cotas. Mas isso não significa, obviamente, que a sociedade brasileira as rejeita.
6- as cotas não podem incluir critérios raciais ou étnicos devido ao alto grau de miscigenação da sociedade brasileira, que impossibilita distinguir quem é negro ou branco no país.
Somos, sem dúvida nenhuma, uma sociedade mestiça, mas o valor dessa mestiçagem é meramente retórico no Brasil. Na cotidianidade, as pessoas são discriminadas pela sua cor, sua etnia, sua origem, seu sotaque, seu sexo e sua opção sexual. Quando se trata de fazer uma política pública de afirmação de direitos, nossa cor magicamente se desmancha. Mas, quando pretendemos obter um emprego, uma vaga na universidade ou, simplesmente, não ser constrangidos por arbitrariedades de todo tipo, nossa cor torna-se um fator crucial para a vantagem de alguns e desvantagens de outros. A população negra é discriminada porque grande parte dela é pobre, mas também pela cor da sua pele. No Brasil, quase a metade da população é negra. E grande parte dela é pobre, discriminada e excluída. Isto não é uma mera coincidência.
7- as cotas vão favorecer aos negros e discriminar ainda mais aos brancos pobres.
Esta é, quiçá, uma das mais perversas falácias contra as cotas. O projeto atualmente tramitando na Câmara dos Deputados, PL 73/99, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, favorece os alunos e alunas oriundos das escolas públicas, colocando como requisito uma representatividade racial e étnica equivalente à existente na região onde está situada cada universidade. Trata-se de uma criativa proposta onde se combinam os critérios sociais, raciais e étnicos. É curioso que setores que nunca defenderam o interesse dos setores populares ataquem as cotas porque agora, segundo dizem, os pobres perderão oportunidades que nunca lhes foram oferecidas. O projeto de Lei 73/99 é um avanço fundamental na construção da justiça social no país e na luta contra a discriminação social, racial e étnica.
8- as cotas vão fazer da nossa, uma sociedade racista.
O Brasil esta longe de ser uma democracia racial. No mercado de trabalho, na política, na educação, em todos os âmbitos, os/as negros/as têm menos oportunidades e possibilidades que a população branca. O racismo no Brasil está imbricado nas instituições públicas e privadas. E age de forma silenciosa. As cotas não criam o racismo. Ele já existe. As cotas ajudam a colocar em debate sua perversa presença, funcionando como uma efetiva medida anti-racista.
9- as cotas são inúteis porque o problema não é o acesso, senão a permanência.
Cotas e estratégias efetivas de permanência fazem parte de uma mesma política pública. Não se trata de fazer uma ou outra, senão ambas. As cotas não solucionam todos os problemas da universidade, são apenas uma ferramenta eficaz na democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior para um amplo setor da sociedade excluído historicamente do mesmo. É evidente que as cotas, sem uma política de permanência, correm sérios riscos de não atingir sua meta democrática.
10- as cotas são prejudiciais para os próprios negros, já que os estigmatizam como sendo incompetentes e não merecedores do lugar que ocupam nas universidades.
Argumentações deste tipo não são freqüentes entre a população negra e, menos ainda, entre os alunos e alunas cotistas. As cotas são consideradas por eles, como uma vitória democrática, não como uma derrota na sua auto-estima, ser cotista é hoje um orgulho para estes alunos e alunas. Porque, nessa condição, há um passado de lutas, de sofrimento, de derrotas e, também, de conquistas. Há um compromisso assumido. Há um direito realizado. Hoje, como no passado, os grupos excluídos e discriminados se sentem mais e não menos reconhecidos socialmente quando seus direitos são afirmados, quando a lei cria condições efetivas para lutar contra as diversas formas de segregação. A multiplicação, nas nossas universidades, de alunos e alunas pobres, de jovens negros e negras, de filhos e filhas das mais diversas comunidades indígenas é um orgulho para todos eles.
*Publicado originalmente pelo site Inclusão Social.

3 comentários:

  1. Oiew meu amigo!!Parabens pelos textos apesar que gostaria que você colocasse mais a cara para bater colocando sua opinião e coração nesses artigos!

    Foi-se o tempo que eu era a favor de cotas, hoje fico feliz por não ser mais! Respeito e tenho carinho por quem é, foi ou será cotista. Mas infelizmente não concordo com essa política! Lembro a muitos anos que uma amiga minha poderia ter tentando entra por cota e não tentou quando perguntei por ela simplemente me disse: Eu sei que podia passar...

    As cotas fazem parte de uma política assistêncialista que não concordo...

    Caso queira ampliar o olhar para essa discussão, recomendo um livro fez eu toma essa decisão que não é simpatica aos olhos alheios.
    Não somos Racistas, De Ali Kamel
    http://www.novafronteira.com.br/_conteudo/capitulos/16_naosomosracistas.pdf

    ResponderExcluir
  2. Olá, Antony! Beleza?

    Vou tentar ponderar pra vc conseguir captar a dimensão do meu entendimento. Falo em dimensão, pois, a princípio parece que a discussão está apenas no plano do ser a favor ou contra as cotas quando na verdade não é. Veja só: não nutro qualquer ilusão de que as cotas foram feitas para se tentar contornar o enorme abismo social que existe entre pobres e ricos nesse país. Assim como não me iludo com o fato de que o PROUNI vem permitindo que jovens que antes não tinham a menor possibilidade de pagar uma faculdade particular agora possam frequentar estas. Também não me iludo com o fato de que as ONGs vem promovendo ações importantes, contudo pontuais no resgate de alguns indivíduos de condições nefastas de abandono social. O que eu quero dizer é o seguinte: todas essas ações que citei e tantas outras não passam na verdade de aspectos do ordenamento pautado pela dinâmica capitalista. Veja o exemplo das cotas: até bem pouco tempo a classe burguesa dava conta da manutenção do próprio sistema. Não esqueçamos que o sistema capitalista, como um sistema em expansão continua, necessita de mão de obra em número e qualidade. Na iminência do fato de que só os filhos da burguesia não dariam conta desta expansão, o sistema capitalista vai buscar nas classes mais desprovidas as "cabeças mais brilhantes" de modo a colocá-las à sua disposição. O próprio Marx já havia falado que o sistema capitalista é tão mais preparado que tem o poder de colocar a seu favor até as mentes mais resistentes. Dai a grande necessidade de se colocar a universidade como produtora de mão de obra para a manutenção do sistema, procurando inclusive buscar pessoas nas classes menos favorecidas. Isso explica a licença que as ONGs tem para encaminhar meninos e meninas para condições sociais que se reverterão em favor do capitalismo: mão de obra qualificada e moral social condizentes com os preceitos burgueses etc. Com tudo isso, devo agora dar o pulo do gato: se tudo isso segue uma predeterminação lógica com um sistema perverso como é o sistema capitalista, logo devemos ser contra tudo isso, certo? Errado. Porque? Porque essas coisas irão operar dentro de uma lógica para lá das determinações do sistema. Irão operar assim, porque existe uma disposição humana quase que natural de rechaçar tudo aquilo que lhe negue como ser. Marx chama isso de Dialética. Guattari chama de Singularização. Outros chamam de conta-hegemonia. Dessa maneira, não espere que pelo fato das pessoas estarem em uma universidade por conta de uma política assistencialista que estas irão se conformar. Ao contrário. A educação irá proporcionar instrumentos que irão de encontro às determinações prévias. Pense por exemplo no caso do livro que nos é muito familiar: muitas vezes eles nos são entregue para nos doutrinar, contudo acabam por proporcionar descobertas que nem de longe é de interesse desse sistema. Assim são as cotas no meu entendimento. Elas foram criadas para dar conta da lógica de produção, contudo acabam proporcionando acesso ao conhecimento por parte dessas pessoas. E o que elas vão acabando fazendo é menos servir e mais questionar esse estado de coisas. Eu, por exemplo, vivo diariamente essa coisa lá no Direito da UERJ. O fôlego que isso pode vir a proporcionar no nosso conservador sistema jurídico é impensável... Outras cabeças... Nem melhores nem piores, mas são outras cabeças. Basta você ver o exemplo da juíza que pegou pela primeira vez em uma carteira de trabalho em uma audiência que está presidia. Imagine o entendimento que essa pessoa pode ter da vida de um trabalhador.
    Pra terminar, informo que Ali Kamel é diretor de jornalismo da Rede Globo e que por conta disso já está previamente comprometido com a manutenção do status quo. "Não somo racistas"? Em que mundo ele vive? O racismo que ele nega é uma racismo a Lá Brasil: encoberto, negado, mas diariamente praticado.

    Abraços, amigo!

    ResponderExcluir